sexta-feira, 2 de maio de 2008

A decadência é azul

Publicado na Diginet
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A vida se esvaindo entre os dedos, o tempo passando lentamente, os goles ávidos e vigorosos, pretensos catalisadores do tempo, supostos aceleradores do relógio, inúteis analgésicos da alma. Paliativos insignificantes para sintomas odiosos.

Todo dia é dia, quanto mais cedo, melhor. Antes das 9 da manhã, o uísque já desce macio, goela abaixo, corpo adentro. Empreendem uma fuga alucinada em direção a lugar nenhum. Os olhos vagueiam e já não enxergam horizontes, de expressão vazia, contemplam o nada que toma conta de seus dias.

A existência embebida em álcool recebe um componente extra de melancolia, corrosivo e explosivo ao mesmo tempo, que comprime as mentes ociosas, começando por eliminar qualquer indício de projetos futuros e terminando por fulminar os derradeiros resquícios de perspectivas. Os homens criam uma película isoladora cada vez mais espessa e se afastam de tudo aquilo que os define, que determina o que e quem eles são: família, amigos, hábitos e costumes. Tornam-se arremedos de si mesmos, atormentados por fantasmas de um futuro que nunca vem, jamais chega e, se vier, não traz nada de animador.

Passando pelas calçadas do bar, vejo aqueles distintos senhores mergulharem voluntariamente num poço sem fundo, vitimando a dignidade, desistindo de viver. Suicídio em conta-gotas e em goles sem conta, alegoria do fim que se aproxima, implacável, avassalador.

As paredes azuis são da cor da tristeza, dando o tom dos sentimentos liquefeitos, adornando o ambiente, esta mórbida sala de espera. E os senhores, consumidos pelos dias, desgastados, acabados, aguardam. Esperam a morte chegar, sem perceber que ela já os alcançou. Azul é a cor da vida que não é vida. Azul é a cor dos espectros de homens que já não são. Azul é a cor daqueles que já não existem mais.

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