Mostrando postagens com marcador Crônica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crônica. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 17 de junho de 2008

Saúde é o que interessa.


Conto encomendado por Thiago de Góes para uma antologia organizada por ele: 80 contos sobre os anos 80.

Os Estados Unidos são muito melhores. Eles tão ganhando essa guerra fria de capote. Os soviéticos estão até desistindo da briga. Nas Olimpíadas de Seul, só deu Estados Unidos. Uma coisa de louco. Os atletas americanos são muito saudáveis. Aqui na cidade tava todo mundo querendo comer o que os americanos comem. Começou a abrir em tudo que é canto lanchonetes especializadas em comida americana. Todo mundo na onda de querer ser igual a eles, ficar parrudo, forte, saudável. Pra isso, tinha que comer muito sanduíche. Ou sandwich que é como se diz no original. Ah, e não é pra ficar no seco não, senão morre tudo entalado sem conseguir virar americano. tem que comer com muito soft-drink que é como se diz na América. Soft-drink em português é Coca-cola.

O danado é que o povo começou a comer feito americano (sanduíches, pizzas, refrigerantes, milk-shakes) e em vez de ficarem saudáveis foram é engordando sem parar. Ninguém entendia porque não estavam ficando parecidos com o Stallone e sim com o Senhor Barriga do Chaves, se a dieta estava sendo a base de americanidades e não de nachos, buritos e tacos. Será que era o nosso sangue latino falando mais forte?

A cidade inteira ficou muitíssimas arrobas mais encorpada e a obesidade passou a ser problema de saúde pública. Foi aí que o prefeito resolveu tomar uma atitude. Todos os cidadãos teriam que fazer exercício obrigatoriamente. É que a única solução para o problema seria criar e fazer cumprir regras de conduta rígidas. Que nem no primeiro mundo, que nem nos Estados Unidos. Só podia ser por isso que os americanos comiam aquele monte de comida gordurosa e continuavam patolas de barriguinhas tanquinho, prontos pra pinotar de um lado pro outro que nem o Indiana Jones. As leis na América eram severas. Dava pra ver isso nos filmes.

Mas como é que iam fiscalizar se uma população inteira estaria cumprindo uma lei tão inusitada. Certamente a mentalidade terceiro-mundista imperaria e as pessoas encontrariam formas de driblar as determinações do jeito que os comerciantes faziam com os fiscais do Sarney.

A solução foi dada por um assessor mais esperto. Por que não obrigar todos os habitantes a praticar exercício enquanto realizassem uma atividade corriqueira do dia-a-dia? Todos tinham que locomover-se de um lugar a outro. Portanto, bastava obrigar que os cidadãos a se exercitarem enquanto estivessem indo ou vindo. Mas como? Simples: daquele dia em diante todos seriam obrigados a andarem de Pogobol dentro dos limites da cidade. Nada de perambular a pé por aí. A Prefeitura forneceria um Pogobol por habitante e a manutenção também seria gratuita através de postos de troca e reparos espalhados por todos os bairros.

Quem, por razões médicas ou de idade avançada, não pudesse usar o meio de transporte da onda, teria que se submeter a um exame comprobatório de inapetência. A lei é rígida e nasceu para ser cumprida. A Prefeitura abriu a licitação pública e a Estrela ganhou a concorrência, talvez porque tenha sido a única participante. Logo, a população inteira estava pulando de um lado pro outro de Pogobol. A Prefeitura estabeleceu um período de adaptação em que os habitante poderiam aprender a usar o veículo, inclusive com cursos disponibilizados em praças públicas.

No dia do lançamento da lei, o Paulo Cintura da Escolinha do Professor Raimundo veio para ser o garoto propaganda. O Prefeito, as autoridades presentes e a imprensa estavam exultantes com a novidade. As crianças da cidade também não se continham de tanta alegria. O objetivo era que a cidade perdesse centenas de toneladas já no primeiro mês. O início foi difícil. As quedas eram constantes e os postos de saúde ficaram abarrotados de pessoas com calos nos pés. Muitos gordinhos também estouraram os seus Pogobols e tiveram que recorrer aos postos de reparo. Foi uma loucura.

Hoje já está tudo normal. Faz um ano que as pessoas só andam de Pogobol e várias outras cidades vizinhas adotaram o mesmo sistema. A saúde da população melhorou bastante e os exercícios surtiram o efeito desejado. O prefeito virou candidato a governador e pretende implantar a lei em todo o Estado. Dizem que a Estrela está financiando sua campanha. O fato é que ele tem o meu total e irrestrito apoio. Um homem que fez o que fez pela nossa cidade só merece mesmo congratulations, viu? Agora, nossa cidade está muito mais perto do primeiro mundo. Nem parece aquela coisa sub-desenvolvida que era antes. Agora, aqui parece cidade americana, sabe? Esse negócio de implantar os Pogobols, vou te contar, viu? Foi um enorme salto de desenvolvimento.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Texto Silencioso (Enjoy the silence 3)

Publicado na Diginet
www.diginet.com.br

A coluna de hoje é em homenagem a todos aqueles que sabem dar valor ao silêncio, que percebem quando calar é melhor que falar, que enxergam a expressividade dos olhares, a grandeza dos gestos, que não caem na fácil armadilha verborrágica, que conseguem a proeza de bastar-se por instantes que seja.

Hoje quero direcionar a luz para essas abnegadas almas, humildes em sua renúncia por atenção alheia, generosas em nos permitir contemplar o mundo sem maiores ruídos, sem a obrigação de ouvir o que não queremos, o que não pedimos, o que não precisamos.

Um texto dedicado aos tímidos, aos intimistas, aos introspectivos. Aos seres evoluídos que não se deixam trair pelo vazio das palavras soltas, desconexas. Homens e mulheres que só se manifestam quando têm algo de edificante a ser dito, algo que acrescente ao mundo e aos outros.

Quero chamar a atenção e apontar os poucos privilegiados na multidão de falastrões que nossa sociedade narcísea e carente produziu. Vou dar meus parabéns a todos os não adeptos do auto-elogio deliberado, à crítica cáustica e gratuita. Expressarei meu muito obrigado aos que nunca me perguntaram quais são as novas ou comentaram como está o clima. Nós, os silenciosos, não gostamos de meteorologistas de elevador e nem de saber se fulana está mais gorda. Acredite: isso não vai mudar nada.

Eu quero produzir uma ode ao inaudível, à harmonia presente na ausência de sons, aos últimos pacifistas, aqueles que realmente deixam os outros em paz.

É que palavras erradas, verbalizadas em momento impróprio podem ferir, quebrar o precioso silêncio de nosso pequeno mundo de paz. Palavras são imperfeitas e desnecessárias frente a sentimentos tão intensos.

Este texto é para todos aqueles que sorriem em silêncio.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ponta Negra Bulls

Publicada na Diginet
www.diginet.com.br

A jornalista Diana Medeiros informa por e-mail desde São Paulo, onde mora, que foi fundado o primeiro time de futebol americano do Rio Grande do Norte, o Ponta Negra Bulls. Eu, como potiguar, natalense e morador de Ponta Negra, tenho por dever cívico saudar os meus abnegados vizinhos, apaixonados pelo esporte estadosunidense e declarar desde já minha adesão à torcida dos Bulls (Go, Bulls!). Outro jornalista de nobre estirpe, o excelentíssimo Paulo Celestino, também apurou o fato e me enviou diversas reflexões sobre as possíveis conseqüências desencadeadas pelo eventual sucesso do esporte por essas bandas.

Abre aspas para Paulo Celestino:

“Tô até imaginando a final da NFL especial em Natal no Frasqueirão. As manchetes: Natal vai parar!!! E eu só tô esperando as gostosas Cheerleaders com aqueles pompons de um lado para o outro. Lanço a votação: qual será a trilha sonora delas? Babado Novo?”“A ED, além de fornecer meninas casadeiras prendadas para a sociedade, que sabem para que servem aquele monte de garfo e faca em cima da mesa e fazer bolo de chocolate, também será uma ótima provedora de cheerleaders.”

“Na minha ronda internética, descobri que times de futebol americano no Brasil são mais comuns do que se imagina. É superteindêiiincia! Se alguém achar o Ponta Negra Bulls absurdo, imagina o Cuiabá Arsenal. Fudeu geral! Natal ainda tem desculpa da presença americana na Segunda Guerra Mundial. Mas e Cuiabá? Só falta dizer que o Paraguai tem um dos melhores times de futebol americano da América Latina. E La garantia?...Soy yo!”

“A pergunta que não quer calar: América e ABC correrão para montar os seus times de futebol americano? O Alecrim ressurgirá das cinzas com o seu plantel afiado para fazer touchdowns e aqueles montinhos de macho uns em cima dos outros? E os colégios hein? Imagina o Jern´s: Objetivo X CEFET na praia do meio. Um clássico.”

“Ah, e imagina os mascotes...Calangos, Pebas, etc. Será no mínimo, interessante.”

“Pelas pesquisas virtuais que fiz, percebi que, infelizmente o Ponta Negra Bulls não está listado nos times de futebol americano brasileiros. Acho que vai ter que engordar umas arrobinhas mais.”

“Tô até vendo também o uso político da coisa. Os governantes vão mandar construir um estádio. Na campanha vão dizer que gera empregos, o novo aeroporto vai servir para receber as hordas - ops, os times - americanos. E é o desenvolvimento chegando ao Rio Grande do Norte. Vai ter candidato prometendo construir uma ponte até Miami para "unir os povos". Afinal, Natal é uma cidade de todos. Que o digam os portugueses, espanhóis e escandinavos, etc...”

“E se a moda pega no Estado? Caicó Yankees (originalmente é de Baseball, mas em Caicó vai ser de Futebol Americano), Mossoró Lampião Patriots, Japecanga Socks (também originalmente de Baseball), Passa e Fica Demolitors, Parnamirim Jets, Redinha Saints, Macaíba Broncos, Panatis Steelers, Ceará-Mirim Packers (gente, é sério nos EUA tem o Green Bay Packers), Currais Novos Cowboys e o Pipa Dolphins. Detalhe: todos vão usar aqueles uniformes e capacetes naquele calor do cão.”

“Os 500 escandinavos que moram em Natal já estão pleiteando entrar na liga. Será o Escandinavos Vikings.”

“Tadeu Schmidt vai fazer piadinha engraçada no Fantástico e o Batendo Perna vai cobrir todos os babados dos jogadores no Carnatal.”

“Continuando minhas pesquisas, descobri que existe a ANEFA - Associação Nordestina de Futebol Americano. Consta no site: (abre aspas) Tendo em vista os objetivos e idéias de praticantes do FA (FA é Futebol Americano - nota do editor) no nordeste a criação da associação se fez necessária para centralizarmos informações sobre tais objetivos. A formalização da associação virá com o tempo. (Fecha aspas). A ANEFA anda meio em baixa. No fórum de discussões do Yahoo, neste ano ainda não tiveram mais do que 7 mensagens. No ano da sua criação, em 2006, só em novembro foram 80.”

Bem, meus caríssimos leitores, como vocês puderam perceber, esta semana eu tirei folga e a coluna foi toda escrita pelo amigo Paulo Celestino que, mesmo de longe, fez ótimas e preciosas observações sobre esse novo e empolgante acontecimento. Eu, aqui de Natal, direto do Conjunto Ponta Negra, faço votos de longa vida a esta recém surgida agremiação e me despeço de vocês com o grito de guerra do Ponta Negra Bulls Ladies, a versão feminina dos Bulls:

Nossa instiga é? Jogar!
Nosso garra é? Vencer!
Nosso lema é? Destruir!
Somos? Bulls!
Somos? Ladies!
Somos? Ponta Negra Bulls Ladies!
Jogar,vencer,destruir... Ladies,Ladies,Ladies!
CRÉÉÉÉUUU!

Sério: eu já tenho um time do coração. E vocês?

terça-feira, 6 de maio de 2008

Admirável Cidade Nova

Publicado na Diginet
www.diginet.com.br

“Pensar enlouquece!” é o que devem pensar alguns (na verdade, muitos) conterrâneos. Por isso, é bom se adaptar e seguir o fluxo, fazendo sempre o que determina o sistema, a sociedade, a moda, os outros. É essa gente bronzeada e lobotomizada sem mostrar nenhum valor, ingereindo o Soma da mesmice, dia após dia. Por que experimentar o novo? Por que procurar saber? Favor, dirija-se ao outro guichê!
Essa premissa torna a cidade estranhamente assemelhada a certos clássicos literários que retratam um futuro sombrio e ameaçador, dando ares de terra arrasada, de completa devastação e revelando frouxos princípios morais.
O lugar agora se divide em diversas zonas: a Zona Norte, onde se concentra grande parte das castas inferiores; a Zona Sul, onde residem as castas superiores, favorecidas pelo sistema; os subúrbios emergentes como Nova Parnamirim e Cidade Verde; e as curiosas Zonas Aristocráticas com indesejáveis bolsões de pobreza incrustrados, como Areia Preta e Mãe Luíza.
A população de 800 mil seres humanos é formada por castas de características diferentes, manipuladas pela lógica do Capitalismo Tropical. Nos gabinetes e altos escritórios empresariais são definidos os pouco dotados de recursos, destinados aos rigores do trabalho braçal, ao sub-emprego, à pobreza. A eles não é dado acesso à boa educação, assistência social, saúde. Geralmente são pardos, alguns negros, quase sempre fora dos padrões de beleza estabelecidos. A aparência é importante, imprescindível, determinante até. Forma é conteúdo.
Os gabinetes e altos escritórios empresariais também decidem os que crescem para comandar. Ricos, bonitos, de pele clara, bem apessoados e asseados, exibindo sorrisos brancos e brilhantes. As castas inferiores não têm qualquer poder de decisão, mas são levadas a acreditar que escolhem os comandantes. Não passam de massa de manobra.
Não há espaço para a surpresa, para o imprevisto. O diferente não é tolerado. Fugir dos padrões, quebrar paradigmas, romper com o pré-estabelecido constitui crime gravíssimo, inafiançável, passível de punições severas, olhares reprovadores, isolamento forçado.
Estamos no ano 60 depois de Bel. O pensamento é proibido e a mediocridade amplamente estimulada e praticada. O intelecto, a erudição, a alta cultura são sufocados com refrões barulhentos e repetitivos com extrema virulência e incrível eficiência. Aprender coisas novas, acostumar-se com letras desconhecidas, melodias estranhas, livros, filmes minimamente inteligentes, palavras polissilábicas demais podem causar estafa, exigindo tamanho empenho das sinapses neuronais que acabam por provocar aneurisma devido ao pouco uso. Que fiquemos com as músicas cheias de vogais e as familiares canções oitentistas que já conhecemos há quase 30 anos.
A lei do menor esforço mental impera na cidade. A disciplina e a perfeita ordem com que os cidadãos cumprem seus desígnios tornam sua realidade admirável. Somos todos treinados para viver assim, condicionados à satisfação, à felicidade, conduzidos a amar o que somos obrigados a fazer. A cidade agora se chama Nova Utopia e o futuro sombrio, tão temido no passado, encontrou lugar no presente.
“O segredo da felicidade e da virtude é amarmos aquilo que somos obrigados a fazer.”Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A decadência é azul

Publicado na Diginet
www.diginet.com.br


A vida se esvaindo entre os dedos, o tempo passando lentamente, os goles ávidos e vigorosos, pretensos catalisadores do tempo, supostos aceleradores do relógio, inúteis analgésicos da alma. Paliativos insignificantes para sintomas odiosos.

Todo dia é dia, quanto mais cedo, melhor. Antes das 9 da manhã, o uísque já desce macio, goela abaixo, corpo adentro. Empreendem uma fuga alucinada em direção a lugar nenhum. Os olhos vagueiam e já não enxergam horizontes, de expressão vazia, contemplam o nada que toma conta de seus dias.

A existência embebida em álcool recebe um componente extra de melancolia, corrosivo e explosivo ao mesmo tempo, que comprime as mentes ociosas, começando por eliminar qualquer indício de projetos futuros e terminando por fulminar os derradeiros resquícios de perspectivas. Os homens criam uma película isoladora cada vez mais espessa e se afastam de tudo aquilo que os define, que determina o que e quem eles são: família, amigos, hábitos e costumes. Tornam-se arremedos de si mesmos, atormentados por fantasmas de um futuro que nunca vem, jamais chega e, se vier, não traz nada de animador.

Passando pelas calçadas do bar, vejo aqueles distintos senhores mergulharem voluntariamente num poço sem fundo, vitimando a dignidade, desistindo de viver. Suicídio em conta-gotas e em goles sem conta, alegoria do fim que se aproxima, implacável, avassalador.

As paredes azuis são da cor da tristeza, dando o tom dos sentimentos liquefeitos, adornando o ambiente, esta mórbida sala de espera. E os senhores, consumidos pelos dias, desgastados, acabados, aguardam. Esperam a morte chegar, sem perceber que ela já os alcançou. Azul é a cor da vida que não é vida. Azul é a cor dos espectros de homens que já não são. Azul é a cor daqueles que já não existem mais.

terça-feira, 29 de abril de 2008

O homem que não falava Carnatalês.

A turma de Letras da UnP, 3º período, onde fui participar de um bate-papo semana passada gostou dessa crônica abaixo. Em homenagem a eles, publico aqui.

NÃO! Não vou pegar uma latinha e bater uma na outra! Não quero! Muito obrigado. Também não vou chupar toda e manivela pra mim é uma engrenagem e não uma dança. Gramaticalmente, eu vos digo: o que arria, arria. Não arreia! Piuí, piuí, piuí, tira a mão do meu ombro. Maria Joaquina de Amaral Pereira Góis não contribói com porcaria nenhuma! No máximo, ela contribuiria com alguma coisa, mas acredite, não é o caso.

Vou me apresentar. Eu sou o deslocado, aquele que está no lugar errado e na hora errada, o corpo estranho, o último natalense que não vai passar pelo corredor da folia, nem assistir de cima a batalha num ostentoso e feliz camarote.

Não vou levantar poeira nem estar presente quando rolar a festa. Não quero presenciar o grandioso espetáculo de exibicionismo social e de conquista primitiva, quando os machos da espécie recuperam suas raízes tribais, utilizando-se inclusive de violência no ritual da corte, empreendido sobre fêmeas em período de cópula. Vou perder o fenômeno da sociedade conservadora e preconceituosa que se despe de seus valores arcaicos durante três dias, se desempacota e vive um breve e alegre período libertino para, na segunda-feira seguinte, se empacotar novamente e vestir sua máscara de hipocrisia e podre tradição.

Vou para o exílio! Serei refugiado de algum país remoto, onde não se fale esse idioma obrigatório. Uma nação que, pelo menos no próximo fim de semana, não seja colônia da Bahia, que não considere Salvador a capital de um reino. Tenho que fugir. Vou embora daqui! Fico ridículo de abadá. Saio e só volto quando a sociedade se empacotar novamente, quando essa cidade for um lugar mais ou menos seguro outra vez. Quero emergir no obscurantismo e só vir à tona quando pudermos respirar em paz sem ser sufocados por refrões opressores.

Sei do tamanho de minha renúncia. Entendo que abro mão de toda a devassidão de ocasião, da atmosfera libidinosa, do sexo, das drogas, da alegria inconsciente, inconseqüente e sem sentido que fizeram desse país o que ele é hoje! Por isso, se eu ficar, não me deixem cair em tentação. Que eu não ouça o canto da sereia das belas natalenses em flor, oferecendo-se ao som daqueles cânticos odiosos, verdadeiros mantras impregnados de vogais: “aê-aê-aê, eô-eô-eô”! NÃO! Se eu fraquejar me amarrem, mas não num cordão de isolamento. Internem-me, mas não na colônia pinel. Não quero ser um burro elétrico, correndo atrás do trio. Vou fugir dessa cidade. Comigo ninguém pode e eu odeio mamãe sacode!

Vou pra algum lugar onde eu não precise me comportar como um zumbi, participando de toda aquela alucinação coletiva engendrada por alguns poucos para os muitos que pipocam. A política do circo sem nenhum pão. Não, não quero ser um zumbi. Quero sair para ver e curtir o que gosto. Quero sentir-me vivo, com sangue correndo nas veias, ouvindo música que me agrade. Porque atrás do trio elétrico, amigo, só vai quem já morreu.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Texto lento

Eu queria escrever uma crônica lenta, cadenciada, suave, sem pressa, gritaria, histeria e dia-a-dia. Uma crônica marcada, compassada, como uma valsa, um pra lá, dois pra cá, um pra lá, dois pra cá. Não seria triste, nem melancólica, apenas teria um ritmo diferente do que tenho visto por aí. Seria feliz, mas de uma alegria contida, autêntica, bela. Algo bucólico, com cheiro de chuva, de grama molhada, suja de areia, queimada de sol, impregnada de sal.

Eu queria escrever um texto gostoso como um abraço demorado, agradável como um fim de tarde entre amigos, necessário como um poema, revigorante como uma sesta. Um texto que provocasse bem-estar com o efeito multiplicador de um sorriso, a espontaneidade de um elogio sincero e desinteressado, o impacto de uma surpresa boa.

Eu queria escrever algo que fosse um elogio ao ócio, um tratado do descanso, um manifesto do direito sagrado da preguiça dominical ou do sono fora de hora. Um documento sobre o pôr-do-sol no Potengi ou o nascer da lua em Ponta Negra, que transmitisse em poucas linhas o silêncio reconfortante, a leveza de um carinho, a sensação de liberdade que só uma rede na sombra pode dar.

Uma crônica para ser lida em câmera lenta. Que despertasse reações serenas, mas duradouras. Queria ordenar palavras de tal maneira, com tal maestria que elas ganhassem o sabor daquele beijo que você tanto batalhou, muito ansiou e finalmente conquistou.

Eu queria escrever um texto bonito. Um lava-jato da alma como uma boa ação, um gol no finalzinho, um telefonema inesperado no meio da noite. Eu queria escrever uma crônica que pudesse dar sua modestíssima contribuição para que, por uma minúscula fração de tempo, um instante que seja, provoque a ligeira sensação de tornar o seu dia um pouquinho melhor.

Eu queria.
Juro que queria.
Mas como não consegui, acho bom você se contentar com esse mesmo.

###

Para todos aqueles que estão na correria, que foram dominados pelo estresse, que ficaram presos no trânsito a caminho do trabalho, que são publicitários e que vêem essa cidade crescer em ritmo incômodo e acelerado.